“Desassossegado” porque como “todos” os técnicos de campo não desenvolvo trabalho científico. Logo, quando me é solicitado este tipo de participações, e não sendo pedido apenas artigo de opinião, tenho sempre de me socorrer de bibliografias, caso contrário corro o risco de, apesar de bem intencionado, poder transmitir ideias ou informações erradas a quem lê, pois nem sempre aquilo que pensamos ser correcto na nossa vida prática se revela uma verdade universal.
Dada a actual conjuntura de crise geral quis escolher um tema que pudesse, não só conjugar os registos bibliográficos (científicos) com a prática do dia-a-dia, como também pudesse contribuir para ajudar os produtores de leite (pelo menos alguns) a melhorar efectivamente a rentabilidade económica das suas explorações.
Como profissional, desempenho funções de assistência técnica nutricional a explorações de vacas de leite pela Saprogal Portugal, SA, e no decorrer da minha actividade, quer eu quer os meus colegas, somos muitas vezes confrontados com a incapacidade de demonstrar aos produtores (clientes ou não) a efectividade real de algumas medidas, não alimentares, que aconselhamos. Por exemplo, todos achamos ser útil a realização de um pedilúvio, mas não o conseguimos quantificar economicamente durante uma visita de acompanhamento. E como resultado prático temos muitas vezes uma reacção de desconfiança da outra parte que muitas vezes acaba por achar que estamos a desculpabilizar a alimentação, ou mais especificamente a “ração” que vendemos.
Sendo o principal mercado da Saprogal Portugal o mercado de vacas de leite, somos uma empresa focada neste sector, e como tal somos os primeiros a reconhecer a importância de uma alimentação correcta e equilibrada como instrumento fundamental para o sucesso de uma exploração de leite. Por essa razão na Saprogal investimos nas pessoas, trabalhando com técnicos com formação científica e prática, e investimos na rastreabilidade dos produtos (desde a matéria-prima ao produto acabado).
No entanto, o sucesso de uma vacaria não depende unicamente e exclusivamente da acertividade alimentar da mesma. E ainda são inúmeras as falhas elementares que encontramos em muitas das nossas explorações. Muitas vezes porque o produtor não consegue estabelecer ou até acreditar que existe uma verdadeira relação de benefício financeiro entre a realização de algumas tarefas e o proveito económico gerado pelas mesmas (em termos práticos, sabemos quantificar economicamente as perdas de uma mamite, mas temos muita dificuldade em quantificar as diferenças produtivas/económicas entre o “fazer a cama” das vacas 1X por semana ou 1X de 15 em 15 dias).
Por esse motivo escolhi dar a conhecer um trabalho realizado em Espanha em 2006 e que se intitula: “Associações entre factores não relacionados com a dieta e a produção de leite”,o qual vem demonstrar e provar a importância que todos os procedimentos não relacionados com a dieta alimentar têm na produtividade das vacas.
Neste estudo o “principal” factor capaz de influenciar a produção de leite – a dieta alimentar - é completamente excluído e são estatisticamente quantificados de que maneira “todos” os outros factores são capazes de condicionar a produção de leite e a rentabilidade económica das explorações. É o único trabalho que eu conheço que faz esta abordagem de forma tão ampla e tão prática com conclusões tão facilmente interpretáveis.
Ao apresentar este trabalho não pretendo de forma alguma tentar diminuir a importância da alimentação na produtividade das explorações leiteiras, mas sim demonstrar “cientificamente” que, todas as medidas realizadas em beneficio da “vaca” se traduzem em benefício económico para o “dono da vaca”.
Posto isto, passo a descrever resumidamente o ensaio, bem como algumas das principais conclusões que se tiraram após a análise dos dados recolhidos:
“ASSOCIAÇÕES ENTRE FACTORES NÃO RELACIONADOS COM A DIETA E A PRODUÇÃO DE LEITE”
Em 2006, no Nordeste de Espanha e durante 8 meses foi oferecida exactamente a mesma dieta de lactação a 47 explorações de vacas de leite (aproximadamente 3.129 vacas) que partilhavam uma base genética semelhante (genética maioritariamente Canadiana). Existiam inicialmente mais explorações, mas que foram excluídas do ensaio por fornecerem às vacas forragens ou outros aditivos para além do TMR (Total Mixed Ration – Unifeed) definido.
O TMR era diariamente preparado na “Pirenaica Societat Cooperativa Catalana Limitada” e distribuído uma vez por dia a cada associado.
A experiência foi efectuada e acompanhada por 9 pessoas que recolheram uma enorme quantidade de dados sobre os proprietários (nº trabalhadores, horas de trabalho…), sobre os animais (performance reprodutiva, genética…), sobre as instalações (número de cubículos, limpeza…) e sobre o maneio (frequência de alimentação, nº de ordenhas…). Foram ainda recolhidos dados referentes quanto à qualidade química da água bem como se registaram as produções de leite atingidas assim como os seus parâmetros de qualidade.
As explorações encontravam-se todas localizadas num raio de 50 Km, a uma altitude média de 800 m acima do nível do mar, sendo que as temperaturas médias rondavam os 4,6 ºC, 10,9 ºC, 21,4º C e 11,4ºC, respectivamente no Inverno, Primavera, Verão e Outono. A precipitação anual média rondava os 500 mm. O número médio de vacas por exploração era de 68 (mínimo de 23 vacas e máximo de 232 vacas). A idade média dos proprietários era de 43,6 anos, trabalhando uma média diária de 8,5 horas diárias durante 6,5 dias da semana. Na altura do ensaio 93,6% dos inquiridos respondeu que pretendia continuar com o negócio no futuro e 44,7% tinha recentemente realizado investimentos na exploração.
Após esta introdução ao ensaio efectuado, passo a expor alguns dos resultados encontrados. Chamo a atenção para o facto de que todos os resultados apresentados têm por base a análise estatística dos dados. Dizem respeito aos valores encontrados neste ensaio, pelo que por vezes poderão contrariar outros estudos. São o resultado das condições encontradas neste estudo e como tal o seu significado poderá ser algumas vezes relativizado.
RESULTADOS
Apesar da alimentação das vacas em lactação destas 47 explorações ser exactamente igual, a média de produções de leite oscilou entre os 20,6 e os 33,8 Kg/dia, o que perfaz um diferencial de 13,2 Kg de leite entre explorações (1 Kg leite = 0,97 Litros leite)
Que diferenças permitiram tamanha disparidade?
DADOS E SUA INTERPRETAÇÃO
87,2 % DOS PRODUTORES ALOJAVA AS VITELAS INDIVIDUALMENTE. AS VITELAS RECEBIAM UMA MÉDIA DE 2,2 DOSES DE COLOSTRO COM CERCA DE 2,2 LITROS CADA
• Não foi encontrada qualquer relação entre a quantidade de colostro administrado e os índices de mortalidade das vitelas. “Provavelmente o aspecto mais importante é a combinação entre o intervalo de tempo que medeia entre o nascimento e a administração do colostro e a quantidade de colostro administrado” Morin et al., 1997, embora este aspecto não tenha sido avaliado neste estudo.
• O índice de mortalidade das vitelas apresentou uma tendência para ser inferior nas explorações que procediam a desmames suaves (1 a 2 semanas) comparando com aquelas em que o faziam abruptamente (Desmame médio: 80,5 dias).
A DURAÇÃO MÉDIA DO PERÍODO SECO FOI DE 59,3 DIAS, SENDO QUE 57,5% DOS PRODUTORES USAVA UMA DIETA DE PRÉ-PARTO DURANTE 11,2 DIAS
• Não foi encontrada neste estudo qualquer relação entre o uso de dieta de pré-parto e a produção de leite. Pode-se presumir que existem vários sistemas de alimentação de pré-parto funcionais.
• No entanto, as explorações que utilizavam dietas pré-parto apresentaram taxas de refugo inferiors.
51% DAS EXPLORAÇÕES APARAVA OS CASCOS DAS VACAS NO PERÍODO SECO
• Não foi encontrada qualquer relação entre esta medida e a produção de leite.
• No entanto foi verificada uma tendência de maior incidência de problemas de patas nas vacarias que não realizavam esta medida no período seco quando em comparação com aquelas que o faziam.
Outros estudos (Espejo e Endres, 2007) já tinham demonstrado que a prevalência de problemas de patas é maior nas vacarias em que os cascos são aparados em resposta a problemas, quando comparadas com outras vacarias em que os cascos são aparados por manutenção.
80,9% DAS EXPLORAÇÕES FAZIAM PEDILÚVIO PÓS-ORDENHA
• Apesar de estatisticamente pouco significativa, constatou-se uma maior taxa de refugo por problemas de patas nas explorações onde não se realizava pedilúvio
NAS VACAS EM LACTAÇÃO APESAR DA DIETA SER A MESMA A VARIAÇÃO DA INGESTÃO VARIOU ENTRE 16,2 A 24,8 KG DE MS
• As razões para esta variação são atribuídas ao maneio (factor “homem”) e às condições de estabulação das vacas.
• Tal como esperado a quantidade de alimento distribuído apresentou uma correlação positiva com a produção de leite
• Dos parâmetros analisados, apenas o rácio entre o nº de cubículos por animal em lactação se correlacionou positivamente com a quantidade de alimento consumida vaca/dia
59,6% DAS EXPLORAÇÕES FORNECIA ALIMENTO SUFICIENTE ÀS VACAS PARA GARANTIR “SOBRAS”
• Estas explorações apresentaram tendência em produzir mais leite (29,1Kg leite/dia) do que aquelas em que não existíam “sobras” (27,5Kg leite/dia) = + 1,6 Kg leite/dia.
• Surpreendentemente não foi encontrada qualquer correlação entre o nº de “cornadis” e espaço à manjedoura com a performance animal, incidência de problemas de patas ou indice de refugo. Este facto poderá ser justificado pelo elevado espaço médio à manjedoura/vaca (X=69 cm/animal), cuja medida é considerada suficiente para não ser limitadora. Grant e Albrigth (2001) concluiram que a dimensão minima por vaca à manjedoura, para ser considerada criítica, são 20 cm/cabeça.
APENAS 10,6% DAS EXPL. NÃO EMPURRAVAM A COMIDA NA MANJEDOURA AO LONGO DO DIA
• O procedimento de empurrar a comida na manjedoura demonstrou ter um impacto positivo na produção de leite (28,9 Kg leite/dia Vs 25,0 Kg leite/dia = + 3,9 kg leite/dia).
• Não foi encontrada relação estatística entre o nº de vezes que se empurrava a comida e a produção de leite. Alguns produtores empurravam a comida até 4X/dia enquanto outros apenas o faziam 1X. Parece que o mais importante é que as vacas tenham sempre alimento ao seu alcance (Albright, 1993).
85,1% DAS EXPLORAÇÃO POSSUÍA AS VACAS EM CUBÍCULOS LIVRES (1,1 ± 0,24 CUBÍCULOS) – APENAS 29% DESTAS EXPLORAÇÕES POSSUÍA MENOS DE 1 CUBÍCULO/VACA
• Foi encontrada uma relação positiva entre o nº de cubículos por vaca e a produção de leite.
• Foi verificado que, em função do estado de manutenção dos cubículos, a produção de leite oscilava até 38%. A produção de leite é tanto maior quanto melhor o grau de manutenção dos cubículos.
• Foi identificada uma relação negativa entre o nº de cubículos/vaca e os índices de refugo.
Grant e Albright (2001) reportam que a sobrelotação aparenta reduzir a fertilidade, altera comportamentos de repouso e reduz a actividade ruminal. A sobrelotação tem sido associada ao incremento de problemas de patas (Wierenga e Hopster, 1990) e a redução de tempos de mastigação (Huzzey et al., 2006).
Este ensaio demonstra que a sobrelotação tem um impacto negativo na produção de leite mas a sublotação não trás aumentos de produtividade. As diferenças de produtividade, quando compararam apenas explorações com 1 ou + cubiculos/vaca, não apresentaram variações estatisticamente significativas.
APENAS 19,1% DAS EXPLORAÇÕES POSSUÍA GRUPOS ISOLADOS PARA VACAS EM PÓS-PARTO
(apesar disso era-lhes fornecida a mesma alimentação)
• Apesar de estatisticamente ser pouco significativo, verificou-se uma diferença positiva 1,6 Kg leite/dia para os animais em pós-parto confinados em parques próprios
55% DOS PRODUTORES USAVA LUVAS DURANTE A ORDENHA
• Apesar de contraditório com outros estudos, foi verificada uma tendência para menor CCS em produtores que usavam luvas (202,282 cells/ml) face aos que não usavam (266,306 cells/ml).
• Como esperado foi detectada uma correlação negativa entre CCS e a produção de leite.
68,1% DOS PRODUTORES UTILIZAVA TOALHAS DE PAPEL PARA LIMPAR/SECAR TETOS ANTES DE COLOCAR AS TETINAS
• Produtores que usavam toalhas de papel apresentaram tendência para ter menos CCS (202,485 cells/ml) e maior produção de leite (29,1 Kg/dia) face aos que usavam toalhas de pano (295,392 cells/ml e 27,2 Kg leite/dia).
Perante o resultado encontrado (diferencial de 13,2 Kg de leite entre explorações) e após a observação dos dados, penso podermos dar como provado que nem só da alimentação se fazem os resultados produtivos/económicos de uma exploração leiteira. Mas, acima de tudo importa reter a mensagem de que existe um benefício económico real na aplicação das boas práticas de trabalho.
Contudo, importa realçar que qualquer um dos factores analisados, só por si, em pouco contribui para o sucesso do resultado final. É legitimo concluir que é da conjugação destas e de outras medidas (todos elas dependentes da decisão do produtor) que se cria o efeito sinérgico que leva a que se criem as condições óptimas para a produção de leite. É aceitável pensar que os produtores com produções de leite mais elevadas serão aqueles que têm as melhores “camas”, mas também serão os que fazem profilaxia aos cascos e provavelmente também serão os que empurram o TMR e provavelmente também serão os com maiores cuidados a nível de fertilidade…
Tudo o que proporcione maior grau de conforto e saúde às vacas será naturalmente convertido em leite mais barato. Mais uma vez insisto: tudo o que, na medida do razoável, for feito em benefício do bem-estar da “vaca” traduz-se em benefício económico para o “dono da vaca”.
Espero, com a ajuda deste estudo, ter relembrado aos mais esquecidos e demonstrado aos mais incrédulos, que realmente existem ainda (para muitos casos) muitas melhorias baratas que se podem realizar nas explorações e que a médio prazo se traduziriam com toda a certeza em melhores resultados económicos. A consciencialização do produtor para o seu papel nos resultados da sua exploração é uma necessidade, uma vez que só assim as explorações/empresas conseguem evoluir e, nesta altura tão dificil, fazer face à crise global.
Saúde… e leite no Úbere…
Pedro Torres
Referências:
A. Bach, N. Valls, A. Solans, and T. Torrent. 2008. Associations Between Nondietary Factors and Dairy Herd Performance. J. Dairy Sci. 91:3259-3267
Dada a actual conjuntura de crise geral quis escolher um tema que pudesse, não só conjugar os registos bibliográficos (científicos) com a prática do dia-a-dia, como também pudesse contribuir para ajudar os produtores de leite (pelo menos alguns) a melhorar efectivamente a rentabilidade económica das suas explorações.
Como profissional, desempenho funções de assistência técnica nutricional a explorações de vacas de leite pela Saprogal Portugal, SA, e no decorrer da minha actividade, quer eu quer os meus colegas, somos muitas vezes confrontados com a incapacidade de demonstrar aos produtores (clientes ou não) a efectividade real de algumas medidas, não alimentares, que aconselhamos. Por exemplo, todos achamos ser útil a realização de um pedilúvio, mas não o conseguimos quantificar economicamente durante uma visita de acompanhamento. E como resultado prático temos muitas vezes uma reacção de desconfiança da outra parte que muitas vezes acaba por achar que estamos a desculpabilizar a alimentação, ou mais especificamente a “ração” que vendemos.
Sendo o principal mercado da Saprogal Portugal o mercado de vacas de leite, somos uma empresa focada neste sector, e como tal somos os primeiros a reconhecer a importância de uma alimentação correcta e equilibrada como instrumento fundamental para o sucesso de uma exploração de leite. Por essa razão na Saprogal investimos nas pessoas, trabalhando com técnicos com formação científica e prática, e investimos na rastreabilidade dos produtos (desde a matéria-prima ao produto acabado).
No entanto, o sucesso de uma vacaria não depende unicamente e exclusivamente da acertividade alimentar da mesma. E ainda são inúmeras as falhas elementares que encontramos em muitas das nossas explorações. Muitas vezes porque o produtor não consegue estabelecer ou até acreditar que existe uma verdadeira relação de benefício financeiro entre a realização de algumas tarefas e o proveito económico gerado pelas mesmas (em termos práticos, sabemos quantificar economicamente as perdas de uma mamite, mas temos muita dificuldade em quantificar as diferenças produtivas/económicas entre o “fazer a cama” das vacas 1X por semana ou 1X de 15 em 15 dias).
Por esse motivo escolhi dar a conhecer um trabalho realizado em Espanha em 2006 e que se intitula: “Associações entre factores não relacionados com a dieta e a produção de leite”,o qual vem demonstrar e provar a importância que todos os procedimentos não relacionados com a dieta alimentar têm na produtividade das vacas.
Neste estudo o “principal” factor capaz de influenciar a produção de leite – a dieta alimentar - é completamente excluído e são estatisticamente quantificados de que maneira “todos” os outros factores são capazes de condicionar a produção de leite e a rentabilidade económica das explorações. É o único trabalho que eu conheço que faz esta abordagem de forma tão ampla e tão prática com conclusões tão facilmente interpretáveis.
Ao apresentar este trabalho não pretendo de forma alguma tentar diminuir a importância da alimentação na produtividade das explorações leiteiras, mas sim demonstrar “cientificamente” que, todas as medidas realizadas em beneficio da “vaca” se traduzem em benefício económico para o “dono da vaca”.
Posto isto, passo a descrever resumidamente o ensaio, bem como algumas das principais conclusões que se tiraram após a análise dos dados recolhidos:
“ASSOCIAÇÕES ENTRE FACTORES NÃO RELACIONADOS COM A DIETA E A PRODUÇÃO DE LEITE”
Em 2006, no Nordeste de Espanha e durante 8 meses foi oferecida exactamente a mesma dieta de lactação a 47 explorações de vacas de leite (aproximadamente 3.129 vacas) que partilhavam uma base genética semelhante (genética maioritariamente Canadiana). Existiam inicialmente mais explorações, mas que foram excluídas do ensaio por fornecerem às vacas forragens ou outros aditivos para além do TMR (Total Mixed Ration – Unifeed) definido.
O TMR era diariamente preparado na “Pirenaica Societat Cooperativa Catalana Limitada” e distribuído uma vez por dia a cada associado.
A experiência foi efectuada e acompanhada por 9 pessoas que recolheram uma enorme quantidade de dados sobre os proprietários (nº trabalhadores, horas de trabalho…), sobre os animais (performance reprodutiva, genética…), sobre as instalações (número de cubículos, limpeza…) e sobre o maneio (frequência de alimentação, nº de ordenhas…). Foram ainda recolhidos dados referentes quanto à qualidade química da água bem como se registaram as produções de leite atingidas assim como os seus parâmetros de qualidade.
As explorações encontravam-se todas localizadas num raio de 50 Km, a uma altitude média de 800 m acima do nível do mar, sendo que as temperaturas médias rondavam os 4,6 ºC, 10,9 ºC, 21,4º C e 11,4ºC, respectivamente no Inverno, Primavera, Verão e Outono. A precipitação anual média rondava os 500 mm. O número médio de vacas por exploração era de 68 (mínimo de 23 vacas e máximo de 232 vacas). A idade média dos proprietários era de 43,6 anos, trabalhando uma média diária de 8,5 horas diárias durante 6,5 dias da semana. Na altura do ensaio 93,6% dos inquiridos respondeu que pretendia continuar com o negócio no futuro e 44,7% tinha recentemente realizado investimentos na exploração.
Após esta introdução ao ensaio efectuado, passo a expor alguns dos resultados encontrados. Chamo a atenção para o facto de que todos os resultados apresentados têm por base a análise estatística dos dados. Dizem respeito aos valores encontrados neste ensaio, pelo que por vezes poderão contrariar outros estudos. São o resultado das condições encontradas neste estudo e como tal o seu significado poderá ser algumas vezes relativizado.
RESULTADOS
Apesar da alimentação das vacas em lactação destas 47 explorações ser exactamente igual, a média de produções de leite oscilou entre os 20,6 e os 33,8 Kg/dia, o que perfaz um diferencial de 13,2 Kg de leite entre explorações (1 Kg leite = 0,97 Litros leite)
Que diferenças permitiram tamanha disparidade?
DADOS E SUA INTERPRETAÇÃO
87,2 % DOS PRODUTORES ALOJAVA AS VITELAS INDIVIDUALMENTE. AS VITELAS RECEBIAM UMA MÉDIA DE 2,2 DOSES DE COLOSTRO COM CERCA DE 2,2 LITROS CADA
• Não foi encontrada qualquer relação entre a quantidade de colostro administrado e os índices de mortalidade das vitelas. “Provavelmente o aspecto mais importante é a combinação entre o intervalo de tempo que medeia entre o nascimento e a administração do colostro e a quantidade de colostro administrado” Morin et al., 1997, embora este aspecto não tenha sido avaliado neste estudo.
• O índice de mortalidade das vitelas apresentou uma tendência para ser inferior nas explorações que procediam a desmames suaves (1 a 2 semanas) comparando com aquelas em que o faziam abruptamente (Desmame médio: 80,5 dias).
A DURAÇÃO MÉDIA DO PERÍODO SECO FOI DE 59,3 DIAS, SENDO QUE 57,5% DOS PRODUTORES USAVA UMA DIETA DE PRÉ-PARTO DURANTE 11,2 DIAS
• Não foi encontrada neste estudo qualquer relação entre o uso de dieta de pré-parto e a produção de leite. Pode-se presumir que existem vários sistemas de alimentação de pré-parto funcionais.
• No entanto, as explorações que utilizavam dietas pré-parto apresentaram taxas de refugo inferiors.
51% DAS EXPLORAÇÕES APARAVA OS CASCOS DAS VACAS NO PERÍODO SECO
• Não foi encontrada qualquer relação entre esta medida e a produção de leite.
• No entanto foi verificada uma tendência de maior incidência de problemas de patas nas vacarias que não realizavam esta medida no período seco quando em comparação com aquelas que o faziam.
Outros estudos (Espejo e Endres, 2007) já tinham demonstrado que a prevalência de problemas de patas é maior nas vacarias em que os cascos são aparados em resposta a problemas, quando comparadas com outras vacarias em que os cascos são aparados por manutenção.
80,9% DAS EXPLORAÇÕES FAZIAM PEDILÚVIO PÓS-ORDENHA
• Apesar de estatisticamente pouco significativa, constatou-se uma maior taxa de refugo por problemas de patas nas explorações onde não se realizava pedilúvio
NAS VACAS EM LACTAÇÃO APESAR DA DIETA SER A MESMA A VARIAÇÃO DA INGESTÃO VARIOU ENTRE 16,2 A 24,8 KG DE MS
• As razões para esta variação são atribuídas ao maneio (factor “homem”) e às condições de estabulação das vacas.
• Tal como esperado a quantidade de alimento distribuído apresentou uma correlação positiva com a produção de leite
• Dos parâmetros analisados, apenas o rácio entre o nº de cubículos por animal em lactação se correlacionou positivamente com a quantidade de alimento consumida vaca/dia
59,6% DAS EXPLORAÇÕES FORNECIA ALIMENTO SUFICIENTE ÀS VACAS PARA GARANTIR “SOBRAS”
• Estas explorações apresentaram tendência em produzir mais leite (29,1Kg leite/dia) do que aquelas em que não existíam “sobras” (27,5Kg leite/dia) = + 1,6 Kg leite/dia.
• Surpreendentemente não foi encontrada qualquer correlação entre o nº de “cornadis” e espaço à manjedoura com a performance animal, incidência de problemas de patas ou indice de refugo. Este facto poderá ser justificado pelo elevado espaço médio à manjedoura/vaca (X=69 cm/animal), cuja medida é considerada suficiente para não ser limitadora. Grant e Albrigth (2001) concluiram que a dimensão minima por vaca à manjedoura, para ser considerada criítica, são 20 cm/cabeça.
APENAS 10,6% DAS EXPL. NÃO EMPURRAVAM A COMIDA NA MANJEDOURA AO LONGO DO DIA
• O procedimento de empurrar a comida na manjedoura demonstrou ter um impacto positivo na produção de leite (28,9 Kg leite/dia Vs 25,0 Kg leite/dia = + 3,9 kg leite/dia).
• Não foi encontrada relação estatística entre o nº de vezes que se empurrava a comida e a produção de leite. Alguns produtores empurravam a comida até 4X/dia enquanto outros apenas o faziam 1X. Parece que o mais importante é que as vacas tenham sempre alimento ao seu alcance (Albright, 1993).
85,1% DAS EXPLORAÇÃO POSSUÍA AS VACAS EM CUBÍCULOS LIVRES (1,1 ± 0,24 CUBÍCULOS) – APENAS 29% DESTAS EXPLORAÇÕES POSSUÍA MENOS DE 1 CUBÍCULO/VACA
• Foi encontrada uma relação positiva entre o nº de cubículos por vaca e a produção de leite.
• Foi verificado que, em função do estado de manutenção dos cubículos, a produção de leite oscilava até 38%. A produção de leite é tanto maior quanto melhor o grau de manutenção dos cubículos.
• Foi identificada uma relação negativa entre o nº de cubículos/vaca e os índices de refugo.
Grant e Albright (2001) reportam que a sobrelotação aparenta reduzir a fertilidade, altera comportamentos de repouso e reduz a actividade ruminal. A sobrelotação tem sido associada ao incremento de problemas de patas (Wierenga e Hopster, 1990) e a redução de tempos de mastigação (Huzzey et al., 2006).
Este ensaio demonstra que a sobrelotação tem um impacto negativo na produção de leite mas a sublotação não trás aumentos de produtividade. As diferenças de produtividade, quando compararam apenas explorações com 1 ou + cubiculos/vaca, não apresentaram variações estatisticamente significativas.
APENAS 19,1% DAS EXPLORAÇÕES POSSUÍA GRUPOS ISOLADOS PARA VACAS EM PÓS-PARTO
(apesar disso era-lhes fornecida a mesma alimentação)
• Apesar de estatisticamente ser pouco significativo, verificou-se uma diferença positiva 1,6 Kg leite/dia para os animais em pós-parto confinados em parques próprios
55% DOS PRODUTORES USAVA LUVAS DURANTE A ORDENHA
• Apesar de contraditório com outros estudos, foi verificada uma tendência para menor CCS em produtores que usavam luvas (202,282 cells/ml) face aos que não usavam (266,306 cells/ml).
• Como esperado foi detectada uma correlação negativa entre CCS e a produção de leite.
68,1% DOS PRODUTORES UTILIZAVA TOALHAS DE PAPEL PARA LIMPAR/SECAR TETOS ANTES DE COLOCAR AS TETINAS
• Produtores que usavam toalhas de papel apresentaram tendência para ter menos CCS (202,485 cells/ml) e maior produção de leite (29,1 Kg/dia) face aos que usavam toalhas de pano (295,392 cells/ml e 27,2 Kg leite/dia).
Perante o resultado encontrado (diferencial de 13,2 Kg de leite entre explorações) e após a observação dos dados, penso podermos dar como provado que nem só da alimentação se fazem os resultados produtivos/económicos de uma exploração leiteira. Mas, acima de tudo importa reter a mensagem de que existe um benefício económico real na aplicação das boas práticas de trabalho.
Contudo, importa realçar que qualquer um dos factores analisados, só por si, em pouco contribui para o sucesso do resultado final. É legitimo concluir que é da conjugação destas e de outras medidas (todos elas dependentes da decisão do produtor) que se cria o efeito sinérgico que leva a que se criem as condições óptimas para a produção de leite. É aceitável pensar que os produtores com produções de leite mais elevadas serão aqueles que têm as melhores “camas”, mas também serão os que fazem profilaxia aos cascos e provavelmente também serão os que empurram o TMR e provavelmente também serão os com maiores cuidados a nível de fertilidade…
Tudo o que proporcione maior grau de conforto e saúde às vacas será naturalmente convertido em leite mais barato. Mais uma vez insisto: tudo o que, na medida do razoável, for feito em benefício do bem-estar da “vaca” traduz-se em benefício económico para o “dono da vaca”.
Espero, com a ajuda deste estudo, ter relembrado aos mais esquecidos e demonstrado aos mais incrédulos, que realmente existem ainda (para muitos casos) muitas melhorias baratas que se podem realizar nas explorações e que a médio prazo se traduziriam com toda a certeza em melhores resultados económicos. A consciencialização do produtor para o seu papel nos resultados da sua exploração é uma necessidade, uma vez que só assim as explorações/empresas conseguem evoluir e, nesta altura tão dificil, fazer face à crise global.
Saúde… e leite no Úbere…
Pedro Torres
Referências:
A. Bach, N. Valls, A. Solans, and T. Torrent. 2008. Associations Between Nondietary Factors and Dairy Herd Performance. J. Dairy Sci. 91:3259-3267
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