Em Dezembro de 2020 um dos meus companheiros de empresa iniciou uma colaboração com o Jornal Barcelos Popular através da qual pretendemos contribuir com as nossas opiniões para esclarecer os leitores, de forma sustentada, acerca do que consideramos que possam ser as vantagens e desvantagens do consumo de alguns alimentos produzidos pelos clientes e produtores que nos acompanham ao longo da vida. Cabe-me agora a mim, aceitar o desafio e dar também eu o meu contributo para esse fim.
Muitos de vós já me conheceis, porque sou de Barcelos e por aqui ando a “lutar” para ajudar a minha empresa e os meus clientes, parceiros e amigos agricultores há mais de 30 anos. Acompanho diariamente o esforço e sacrifício de uma classe tão exposta a todos os elementos ambientais e económicos, e que tem sabido, de uma forma surpreendente, ao longos dos anos adaptar-se e evoluir a um nível que só quem está por dentro como eu consegue ver. Inacreditável. Gostaria que todos os leitores pudessem ver o grau de profissionalização e competência atingido pelos nossos produtores, particularmente daqueles que melhor conheço, que são os de Barcelos e que honram o nosso concelho, o qual julgo ser o concelho com maior produção de leite de Portugal.
Trabalho para a De Heus, empresa que comprou a Saprogal, nome que muitos de vós ainda se lembrarão. A De Heus é uma empresa que opera a nível mundial no setor da agro-pecuária, produzindo alimentos para animais de forma responsável e procurando a sustentabilidade dos seus clientes e do ambiente. Aceitamos e respeitamos as opiniões e decisões de quem individualmente decide fazer as suas mudanças alimentares. Não só acreditamos como apoiamos essa diversidade por representar um mundo em evolução, que se quer cada vez mais livre nas palavras e nos atos para todos os habitantes do planeta. Mas da mesma forma com que respeitamos essa diversidade também temos a obrigação de proteger os nossos produtores promovendo o debate e o esclarecimento da opinião publica sobre os benefícios do que produzimos, pois é a nossa ambição sabermos que contribuímos para uma maior, melhor e mais responsável alimentação do homem.
Posto isto, irei tentar abordar um dos mitos mais populares utilizado contra o consumo do leite e que procura instalar na sociedade o medo em consumir leite com base no pressuposto de que o leite provoca alergias.
Todos os dias somos bombardeados com argumentos, crenças e mitos de toda a espécie sobre o leite. Todos sabemos que os hábitos alimentares de uma pessoa devem traduzir um equilíbrio entre a sua liberdade de escolha (disponibilidade de alimentos, gostos e preferências) e a garantia de que essas escolhas se traduzem numa alimentação saudável e equilibrada.
A utilização de leite e produtos lácteos na nossa alimentação diária está estabelecida na famosa “roda dos alimentos” que todos aprendemos na escola e largamente reconhecida pela população portuguesa desde 1977. Em 2003, surgiu uma nova “roda” onde o leite e os produtos lácteos representam 18% da nossa alimentação diária (2 a 3 porções).
Tendo em vista esta recomendação, convém abordar um tema bastante controverso que é fonte de debate e discórdia na nossa sociedade.
O leite provoca alergias?
Em primeiro lugar, acho muito importante esclarecer a diferença entre intolerância à lactose e alergia alimentar de forma a evitar alguma confusão entre os dois “conceitos”. A intolerância à lactose é definida como uma incapacidade do organismo em digerir o açúcar encontrado no leite (lactose), pelo que este é um problema metabólico. Quando falamos de alergia alimentar, referimo-nos a uma reação exacerbada que o nosso sistema imunológico tem a um determinado alimento ou parte dele (normalmente proteínas).
Nas crianças, existe uma prevalência mais elevada de alergia às proteínas lácteas do que nos adultos, no entanto, elas conseguem na maior parte dos casos ultrapassar essa alergia durante o processo de crescimento. Isso exige frequentemente retirar leite e produtos lácteos da dieta das crianças e reintroduzi-los um pouco mais tarde e de forma gradual.
Sendo o leite uma das principais fontes de cálcio para as crianças, de forma a garantir um adequado crescimento e desenvolvimento ósseo e muscular, a restrição ao consumo de leite e de produtos lácteos deve ser apenas definida por um médico e após a realização de exames que permitam comprovar a existência de tal alergia. Apenas 2% das crianças com menos de 4 anos são alérgicas a produtos lácteos e em adultos também a alergia ao leite de vaca é muito rara. É também importante relembrar que se existir uma alergia às proteínas lácteas é possível que essa mesma pessoa também tenha alergia a outro tipo de proteínas como o marisco, soja, frutos secos e ovos.
Trata-se de um alimento que pelo seu preço é acessível a todas as classes sociais. Para além disso é rico em proteínas de elevado valor biológico, é uma boa fonte de iodo (nutriente relevante para o crescimento normal das crianças e uma normal função cognitiva), é uma boa fonte de potássio, magnésio, vitaminas A, D e do complexo B (sobretudo B6 e B12), e, finalmente, e como todos sabemos, é uma das mais importante fontes de cálcio disponível com a particularidade de que o seu cálcio pode ser facilmente absorvida pelo corpo (biodisponível).
Resumindo, para a grande maioria das crianças, e para quase todos os adultos, a inclusão de leite na sua alimentação não representa um risco, mas sim uma valiosa fonte de nutrientes.
Domingos Pereira
Gerente de Zona,
De Heus Nutrição Animal, S.A.
Bibliografia
Mytos e Falsedades sobre el Consumo de Leche y sus Efectos en la Salud, Sergio Calsamiglia
Recomendações para a educação alimentar da população portuguesa, Conselho Nacional de Alimentação e Nutrição, Comissão de Educação Alimentar, 1997